Opiniões

As bandeiras nos sentidos errados

Consta que no final da Idade Média, em uma das batalhas da Guerra dos 100 anos entre a França e a Inglaterra, os dois exércitos estavam frente a frente, aguardando a hora de se atacarem mutuamente. Um pacifista teve uma ideia, em princípio, genial: costurou uma bandeira incomum, que tinha de um lado os símbolos da Inglaterra e do outro os da França e resolveu cavalgar no meio dos exércitos, com as respectivas bandeiras viradas para o exército de cada país.

O sucesso foi tão grande, aplaudido com efusão pelos dois lados, que o cavaleiro resolveu fazer mais uma cavalgada, de retorno; só que desta vez as bandeiras expostas a cada exército eram de seus inimigos, fazendo nosso herói temporário ser flechado pelos dois lados.

Ontem, o Comitê de Política Monetária do Banco Central (COPOM) optou por manter a taxa de juros básica da economia em 10,50% a.a. até a próxima reunião, prevista para 18 de setembro. O responsável por isso, ao contrário do que se poderia afirmar, não é o presidente do Banco Central, mas o próprio Presidente da República que conduz a política econômica erraticamente com duas bandeiras, procurando ser apoiado por diferentes eleitores.

Na política arcaica do “nós contra eles”, Lula da Silva elegeu Roberto Campos Neto como inimigo número 1 da Pátria, argumentando que o comportamento da autarquia é a única “coisa desajustada” no Brasil no momento. “É o comportamento do Banco Central. Essa é uma coisa desajustada. Um presidente do BC que não demonstra nenhuma capacidade de autonomia, que tem lado político, e que, na minha opinião, trabalha muito mais para prejudicar o país do que para ajudar o país. Não tem explicação a taxa de juros do jeito que está”, disse o presidente.

Num dia o Presidente da República avisa que não sabe se irá cortar os gastos da União para conduzir ao equilíbrio fiscal prometido e conter a relação Dívida/PIB em patamar sustentável; isto agrada os componentes de seu partido, e em tese fomenta o crescimento econômico, mas a taxa de câmbio R$/US$ dispara e o Ministro da Fazenda corre para apagar o incêndio.

A propósito, o jornal Valor Econômico informa, com dados do Banco Central, que a Dívida Bruta do Governo Geral (DBGG) atingiu o maior patamar desde novembro de 2021 ao subir para 77,8% do Produto Interno Bruto (PIB) em junho de 2024. Só no primeiro semestre, o indicador teve alta de 3,4% depois de terminar 2023 em 74,4% do PIB. Nesse patamar, a dívida bruta chegou a R$ 8,7 trilhões, acima dos R$ 8,1 trilhões registrados em dezembro de 2023.

Já em outro dia, Lula da Silva diz que aprendeu na infância que não se podia gastar mais do que se ganha, procurando satisfazer o público de agentes econômicos que movimentam os mercados.

Na década de 1930, Johann Silvio Gesell (1862-1930), um economista teórico, alemão-argentino, ativista social, anarquista, socialista libertário, teve uma ideia bem original: a moeda carimbada, que perdia valor com a passagem do tempo até perder inteiramente o valor em determinada data.  Esta moeda chegou a ser implantada pela primeira vez em 1933 no vilarejo austríaco de Wörgl, e buscava induzir as pessoas a gastarem, em vez de acumular, e incentivar o aumento das atividades sem um lastro real. Há época, a experiência foi considerada bem-sucedida por reduzir o desemprego local, mas foi abortada por decisão do Banco Central do país.

O ideal é que nosso Ministro da Fazenda não tome conhecimento dessa empreitada, pois corremos o risco dele considerá-la como saída para a atual política econômica irresoluta entre a gastança populista e o equilíbrio necessário.