
As virtudes da paciência
“Se eu falar isso, vai cair a bolsa? O dólar vai aumentar? Paciência. O dólar não aumenta e a bolsa não cai por conta das pessoas sérias, mas por conta dos especuladores que vivem especulando todo santo dia”.
A fase de transição de um governo para outro tem previsão constitucional e a equipe está composta de personagens com pensamentos divergentes; até ontem, vejam, fazia parte dessa equipe um ex-Ministro da ex-Presidenta, por exemplo, que está impedido de exercer cargos públicos e um dos formuladores do Plano Real.
Vamos acreditar na questão filosófica da “tese, da antítese e de uma síntese” produtiva e equilibrada, mas por enquanto preocupa que o presidente eleito esteja divulgando antecipadamente afirmações. Vale lembrar que estes são os três elementos que constituem o processo da dialética, definido como uma técnica e método lógico para analisar ou descobrir a realidade. Estas fases seriam de um processo evolutivo do espírito humano que se repete em busca da verdade, oxalá seja este o processo.
Há diversas considerações sobre a afirmação presidencial. Em primeiro lugar, não cabe pedir paciência aos eleitores, já que o programa de governo tem como meta acabar com a fome, e não se pede paciência a quem está faminto.
A afirmação sobre paciência nos remete ao famoso discurso na Roma Imperial, proferido por Cícero, Primeira Catilinária, em 63 a. C “quousque tandem abutere, Catilina, patientia nostra? (Até quando, Catilina, abusarás da nossa paciência?).
Em primeiro lugar, é necessário um outro entendimento da Bolsa de Valores, como entidade que capta recursos da coletividade para investimentos nas empresas, gerando renda, empregos e impostos para, inclusive, subsidiar programas sociais.
Do outro lado da balança, estão os poupadores que pensam em organizar seu futuro econômico-financeiro em ambiente estável; as exceções certamente são os “especuladores”, aqui praticamente condenados como se fossem agiotas ou usuários. Além disso, a Bolsa de Valores pode contribuir, se bem conduzida, a democratizar o capital das empresas, e fazer parte das poupanças populares, haja vista as emissões de empresas de valor com o uso do Fundo de Garantia de Tempo de Serviço – o FGTS, a forma de poupança e previdência do trabalhador, que indiretamente foi chamado de “especulador”. Não se trata, de qualquer forma, de brincadeira, muito ao contrário, e para todos estes agentes é preciso equilíbrio e estabilidade, com solavancos não se cresce.
]Em segundo lugar, muito cuidado com qualquer menção à taxa do dólar; queremos acreditar que a equipe de transição, com sua múltipla diversidade ideológica, sabe bem que a taxa de câmbio influencia a cesta básica do consumo dos menos favorecidos e o preço dos combustíveis que compõem o custo de todas as mercadorias que se transportam do produtor ao consumidor, além do ir e vir das pessoas. Cabe lembrar numa época de retorno da pandemia do COVID, que as vacinas – ou seus princípios ativos, tão indispensáveis, vem do exterior e são pagas de acordo com a cotação do dólar, é uma questão de saúde pública, esperamos que seja um dos objetivos da equipe de transição.
E, por consequência, a queda da Bolsa e o aumento da taxa de câmbio ajudam a disparar a taxa de juros, que consome o orçamento público, em lugar dos programas sociais, faz o crédito mais caro para a casa própria, o cartão de crédito para as pessoas menos favorecidas que ainda usam esta forma de financiamento, além de dificultar a comercialização de bens de consumo duráveis.
Não é difícil ver que nas nossas fronteiras a inflação não ajuda ao pobre (a Argentina com previsão de 100% de inflação em 2022 e a Venezuela de 157% nos últimos doze meses), não obstante seus presidentes serem muito admirados pelo presidente eleito.
Se, nestas questões de pensamento econômico o debate interessa, não há transigência possível no lado ético para que governantes no cargo ou eleitos usem aviões particulares para seu deslocamento, mesmo para propósitos nobres como conferências para a crise climática; este transporte não está em seus objetos empresariais e quase certamente estes custos na empresa privada diminuem também os impostos a recolher, retirando receitas para cobrir os programas sociais. E, vamos torcer que estejamos errados, mas a troca de favores entre entidades públicas e privadas não combina com o pensamento republicano democrático.