Thomas Piketty e o Estádio do Gasômetro
Thomas Piketty é um dos pensadores sociais mais influentes da atualidade, amplamente reconhecido por suas análises aprofundadas sobre a desigualdade no mundo. Em suas diversas publicações, ele aborda não apenas a desigualdade de renda, mas também a questão da riqueza, oferecendo uma visão abrangente das disparidades econômicas globais.
Piketty argumenta que uma das principais razões para a persistência da desigualdade global é o fato de que o crescimento do patrimônio tem superado consistentemente o crescimento da renda do trabalho. Em seu último livro, Natureza, cultura e desigualdades: Uma perspectiva comparativa e histórica publicado pela Civilização Brasileira, ele apresenta essa complexa questão de forma sucinta e acessível, com menos de 100 páginas—um feito impressionante, considerando que suas obras anteriores somam mais de 3 mil páginas.
No livro, Piketty utiliza a Suécia como exemplo de um país que conseguiu reverter essa tendência de desigualdade. Ele observa que, no início do século passado, as eleições na Suécia eram extremamente restritas, com apenas as 100 pessoas mais ricas do país tendo direito ao voto. Esse cenário mudou drasticamente com a implementação do socialismo democrático e o aumento das alíquotas sobre heranças e transferências de propriedade, que chegaram a taxas 67% a 70% do patrimônio.
Com essas receitas, a Suécia investiu pesadamente em educação, uma estratégia que, segundo Piketty e o senso comum, melhora a qualificação profissional da população e reduz a desigualdade de renda. Hoje, a diferença salarial entre o porteiro e o presidente de uma empresa na Suécia é de cerca de 60 vezes, segundo levantamento da BBC, enquanto no Brasil essa diferença pode chegar a 326 vezes, conforme o levantamento da Comissão de Valores Mobiliários¹ para as 25 maiores empresas listadas em Bolsa, excluindo estatais, holdings e energia elétrica.
Tabela 1
Fonte: The Global CEO Index, BBC
Tabela 2
Fonte: Levantamento RESET com base nos dados disponibilizados pela CVM
Quando voltamos nossa atenção ao Brasil, vemos que, devido aos investimentos realizados para as Olimpíadas e a Copa do Mundo, muitas cidades acabaram construindo estádios grandiosos que, agora, se tornaram “elefantes brancos”. Um exemplo recente dessa tendência é a proposta de construção de um novo estádio de futebol no antigo Gasômetro, no bairro São Cristóvão no Rio de Janeiro, que está sendo debatida. Há questionamentos sobre o preço pago pelo terreno pelo clube de futebol, considerado abaixo do valor de mercado, e sobre o financiamento público, via Caixa Econômica Federal, para a construção do estádio, estimado em dois bilhões de reais.
Investimentos desse porte, na casa dos bilhões, impactam significativamente o orçamento da União. Utilizando a análise de Piketty como referência, seria muito mais benéfico redirecionar esses recursos para a educação, desde o ensino fundamental até as universidades públicas, que sofrem com a falta de financiamento adequado. No Brasil, já temos estádios suficientes, mas ainda enfrentamos grandes desafios nas áreas de educação, saúde, segurança e moradia. A construção de um estádio no Gasômetro, atualmente em discussão nos gabinetes do Palácio do Planalto e do Palácio da Cidade, poderia ser repensada em favor de iniciativas com impactos sociais mais profundos e duradouros.
Essa reflexão não apenas ecoa as ideias de Piketty, mas também nos força a considerar quais são as verdadeiras prioridades para o desenvolvimento social e econômico do país.
Nesta época pré-eleitoral, um elefante branco prometido aos eleitores ajuda os palácios do Planalto e da Cidade, mas não importa, não é mesmo? Pois quem vai pagar não é o eleitor de hoje, mas seus filhos e netos, e com juros.
¹ A pesquisa da BBC calcula o gap salarial com base no maior salário da empresa e a remuneração média das empresas no país estudado, em contrapartida o levantamento da CVM mensura esta razão em relação à mediana da remuneração das empresas analisadas. A diferença entre a média e a mediana se dá no fato de que a primeira é a soma de todos os valores dividida pelo número total de observações, enquanto a segunda é o valor central em uma distribuição de dados ordenada. A média pode sofrer uma maior variação decorrente da existência de outliers (valores extremos), ao passo que a mediana é menos sensível. Apesar dessa diferença, ambas são medidas de tendência central e podem ser utilizadas para análises comparativas, especialmente em contextos em que a distribuição é assimétrica, como no caso da remuneração de CEOs.