Desancoragem e Manipulação
Na segunda década do século XXI, um escândalo bancário de grandes proporções foi registrado globalmente, envolvendo instituições como UBS, Barclays e outras. Esses bancos foram acusados de manipular informações em conluio para influenciar diretamente a formação da taxa LIBOR, a London Interbank Offered Rate, que foi descontinuada em 2023. A LIBOR era definida por 16 bancos internacionais e, segundo algumas estimativas, suas taxas indexavam um impressionante montante de US$ 360 trilhões (trezentos e sessenta trilhões, atenção, revisão) em produtos financeiros ao redor do mundo. No final, o UBS pagou US$ 1,5 bilhão em multas e o Barclays, um pouco menos, US$ 450 milhões.
Poderia isso ocorrer no Brasil?
A taxa LIBOR servia como referência para a taxa de juros interbancária no mercado internacional, similar ao nosso CDI e à taxa Selic, esta última estabelecida pelo Banco Central a cada 45 dias. A economia, como sabemos, reage fortemente às profecias autorrealizáveis. Se o mercado acredita que a inflação subirá, esse aumento tende a ocorrer devido aos reajustes preventivos, inércia e outros fatores.
Atualmente, na presidência do Banco Central do Brasil, temos Roberto Campos Neto, neto de Roberto Campos (1917-2001), que foi ministro do Planejamento e presidente do BNDES. Em 1964, ao assumir o Ministério do Planejamento, Roberto Campos enfrentou uma grave crise inflacionária e frequentemente destacava a importância da “reversão das expectativas”. Ele acreditava que era crucial trabalhar para que os agentes financeiros passassem a acreditar na redução futura dos índices de inflação.
Hoje, a presidência do Banco Central menciona frequentemente a “desancoragem” das previsões de inflação futura, um termo emprestado da marinha mercante, remetendo à ideia de que, sem uma âncora, os navios não ficam estáveis ao atracar. Neste contexto, a “desancoragem” das expectativas pode ser visualizada nos boletins Focus do Banco Central. Conforme o gráfico a seguir, as expectativas para os anos 2024, 2025 e 2026 são crescentes.
Gráfico 1
Elaboração própria. Fonte: Boletim Focus (Banco Central).
Além disso, há outras correlações que podem confirmar essas expectativas. Os índices de emprego disponibilizados pelo IBGE nas pesquisas do CAGED e da PNAD Contínua mostram que as curvas de emprego formal (gráfico 2) têm se mantido positivas, enquanto o desemprego (gráfico 3) segue em queda.
Gráfico 2
Elaboração própria. Fonte: IBGE.
Gráfico 3
Elaboração própria. Fonte: IBGE.
Este cenário de melhoria no mercado de trabalho, junto com o aumento da renda da população, pode justificar a pressão inflacionária, já que a oferta de produtos e serviços raramente acompanha uma rápida ascensão da demanda. Com este novo panorama, a demanda agregada tende a crescer, levando ao aumento no nível de preços, conforme a tese da Curva de Phillips, do economista neozelandês A. W. H. Phillips (1914-1975), que sugere uma relação inversa entre inflação e desemprego.
Nos anos 1960, acreditava-se que qualquer estímulo fiscal aumentaria a demanda agregada, gerando efeitos como aumento da demanda por mão de obra, diminuição do desemprego e, consequentemente, aumento dos salários para competir por um contingente menor de trabalhadores. Esse aumento de custos seria repassado aos consumidores na forma de preços mais altos. Essa crença levou muitos governos a adotarem uma estratégia “stop-go”, ajustando políticas fiscais e monetárias para alcançar metas de inflação, sistema vigente no Brasil. No entanto, a década de 1970 viu o surgimento do estagflação, desafiando a validade da Curva de Phillips.
A análise dos boletins Focus e dos dados de emprego do IBGE mostra como as “expectativas desancoradas” e a dinâmica do mercado de trabalho contribuem para a pressão inflacionária atual.
Há, no entanto, preocupações de que o boletim Focus, que resume as opiniões dos agentes de mercado cadastrados no Banco Central, possa estar carregado de expectativas que aumentem também os juros bancários. Embora o Brasil não vá necessariamente replicar problemas internacionais, é prudente estar atento a possíveis manipulações, sejam elas voluntárias, como nos casos do UBS e Barclays, ou involuntárias.